22 março, 2010

Pela liberdade de educar

Pela liberdade de educar

Luiz Carlos Faria da Silva
Não há espaço suficiente aqui para abordar os vários aspectos da decisão judicial que condenou Cleber Andrade Nunes. É perfeitamente possível, entretanto, argumentar a favor dos pais.
Tomemos dois pontos presentes nos discursos daqueles que, ao lado da autoridade judicial, condenam os pais: os alegados prejuízos à socialização das crianças e o laxismo fatalista que acompanha o reconhecimento do nível catastrófico da qualidade da instituição escolar em nosso país.
Quanto à questão da socialização, note-se que no Brasil não há pesquisa longitudinal, internacionalmente reconhecida, sobre os impactos dos cuidados infantis na trajetória de desenvolvimento socioemocional e cognitivo das crianças e no comportamento juvenil. Enquanto isso, evidências oriundas de pesquisas longitudinais, cujos resultados são publicados em revistas líderes mundiais em fator de impacto no campo, negam suporte às teses defendidas pela maioria dos experts brasileiros nesse tema.
Por outro lado, em países como França, Inglaterra e EUA, em que essa modalidade de educação não é interditada, ainda que seja regulada, não consta que haja epidemia de sociopatia entre as crianças cujos pais a praticam. Nos EUA, por exemplo, o Departamento de Educação diz que 1.508.000 crianças e adolescentes estudavam sob alguma modalidade de educação domiciliar em 2007.
Os que querem anular o direito dos pais de escolher o tipo de educação dada aos filhos negligenciam o fato de que a experiência escolar é hoje, muita vezes, ocasião de sofrimento, pois escolas e educadores são cada vez mais despojados dos instrumentos de mediação e controle dos conflitos. Ou de contenção de ações antissociais.
Eles se preocupam com a proteção dos "direitos da criança" contra o autoritarismo e a unilateralidade da visão de mundo dos pais. Mas as crianças precisam de mais proteção contra o grupo de iguais do que contra os pais, lembra Hannah Arendt.
O autoritarismo do grupo de iguais é muito mais cruel, implacável e devastador a um ser em processo de formação de personalidade. Hoje, na escola, crianças que não se enquadram no padrão médio são impiedosamente desdenhadas pelo grupo. E são cada vez mais numerosos os casos em que do desdém, e mesmo da troça, passa-se à agressão física.
Quanto à qualidade da instrução, a tolerância nacional diante do fracasso escolar tem crescido. Dados do MEC mostram que a probabilidade de uma criança brasileira encerrar os anos iniciais do ensino fundamental com desempenho em língua portuguesa e matemática abaixo do mínimo esperado é altíssima.
A lassidão ante o baixo padrão não se limita à instrução. Há o aspecto da formação. Nem aos leigos escapa a percepção da crise da autoridade na escola. Qualquer pessoa que encare o problema de perspectiva real e prática, despida dos cacoetes emancipacionistas impostos pelas abordagens teóricas hegemônicas no pensamento pedagógico dos últimos 30 anos, sabe das dificuldades para o exercício de atividade educativa nas escolas.
Professores são reféns de caprichos infanto-juvenis incontroláveis. A pedagogia "mainstream" ergueu um altar à espontaneidade criadora das crianças e jovens. As famílias entregaram-nas a babás, a creches ou ao trio DVD, videogame, computador.
Quando tudo sai de controle, apela-se a saídas extremas: decreta-se toque de recolher para adolescentes, como se fez recentemente em cidades do interior paulista.
Nessas condições, qual a capacidade instrucional e formativa da educação escolar? Não postulo a desescolarização. Afirmo, porém, em alto e bom som: os pais têm direito a escolher a educação que seus filhos receberão. A família Andrade Nunes foi apenada por não permanecer prostrada ante os prejuízos instrucionais e morais que a educação escolar poderia impor a seus filhos. Assumiu riscos. Agiu. E os resultados mostram que foi bem-sucedida. Merece apoio. Não recriminação.
Luiz Carlos Faria da Silva, 53, mestre em educação pela PUC-SP e doutor em educação pela Unicamp, é professor adjunto do Departamento de Fundamentos da Educação na Universidade Estadual de Maringá (PR) e educa seus dois filhos em casa desde 2006.
Publicado no jornal Folha de São Paulo.
Divulgação: www.juliosevero.com

17 março, 2010

Educação compulsória e totalitarismo

Educação compulsória e totalitarismo

Sergio de Biasi
“Os homens nascem ignorantes, não incapazes de pensar. O que os torna incapazes de pensar é a educação”. — Bertrand Russell
Pedro Sette Câmara escreveu recentemente um texto sobre o fetiche com educação que existe no Brasil. Eu concordo plenamente com o que ele escreveu, e diria que esse na verdade é um mal disseminado pela maior parte das sociedades ocidentais modernas. Aceita-se como natural, boa e até desejável a obrigatoriedade — repito, a obrigatoriedade, coercitivamente imposta por lei — de todos os “cidadãos” de um país passarem grande parte de dez anos ou mais de suas vidas prestando expediente forçado para ouvir ideias selecionadas pelo governo como convenientes para sua “formação”.
E não é suficiente (embora já seja opressivo) ser forçado a demonstrar proficiência no conhecimento de tais ideias, o que se poderia facilmente aferir com uma série de exames, para os quais cada um estudaria como quisesse, onde quisesse, e com quem quisesse. E prestaria os exames com a idade que quisesse. Não, não, não. Quem se pergunta por que tal solução óbvia não é adotada não compreendeu o verdadeiro objetivo do sistema todo. É preciso passar pelo processo. O objetivo primordial da educação compulsória não é ensinar coisa alguma. É destruir a independência de pensamento; é cultivar, instilar e estimular a subserviência à autoridade até ela desabrochar em toda a sua glória; é tornar tão doloroso o exercício do senso crítico que se adquire por trauma o instinto quase fóbico de evitá-lo a todo custo. Quando finalmente esses objetivos são atingidos, então se dá um diploma ao sujeito e se diz “formamos um cidadão”.
O sistema educacional público americano moderno é uma completa aberração e tomou emprestadas várias de suas características de um plano declarado de doutrinação e controle social em massa concebido originalmente na Prússia do século 19. O excelente The War On Kids documenta como existe hoje, formalmente e na prática, menos respeito às liberdades civis numa escola pública do que numa prisão.
O sistema brasileiro pode não ser tão opressivo, mas é igualmente distorcido. É usado para tudo, menos para ensinar; é encarado como instrumento de assistência social, como creche, até mesmo como ferramenta de segurança pública, ao manter menores desocupados fora das ruas. Historicamente, no Brasil e em grande parte das democracias ocidentais (inclusive nos EUA), um dos maiores objetivos que se pretende declaradamente atingir ao se expandir o currículo obrigatório básico é... retirar artificialmente mão de obra qualificada do mercado de trabalho, visando diminuir o desemprego e aumentar os salários. Note-se, isso não são teorias conspiratórias. Todos esses são motivos explicitamente discutidos por legisladores e membros do poder executivo ao determinarem política educacional.
Isso já seria inaceitável em um sistema de educação que visasse preservar tão somente o “direito” à educação, entendido como a possibilidade de acesso à educação. Já seria intolerável em um programa cujo financiamento é compulsoriamente sustentado por todos nós, e sobre o qual não temos qualquer controle. Mas o limite final é ultrapassado quando se aceita fazer esse “direito” à educação ser “exercido” de forma compulsória. Isso é totalitarismo puro e simples, e me parece que deve ser uma das prioridades de qualquer programa seriamente libertário lutar pela total reversão das políticas públicas que prevêem, literalmente, o encarceramento de toda a nossa juventude por mais de 10 anos de suas vidas.
Agora, vejamos, de que ilusões se alimenta esse sistema, que muitos defendem alegando que algum mérito efetivamente educacional se possa salvar?
A principal ilusão é a de que alguém está aprendendo alguma coisa. Mas, como se pode verificar conversando com qualquer adulto normal, absolutamente ninguém retém os profundos “conhecimentos” supostamente infundidos em seus cérebros quando adolescentes. Pergunte a alguém que não seguiu carreira relacionada com química qual é a diferença entre um éter e um éster. Pergunte a alguém que não seguiu carreira relacionada com línguas em que século viveu Machado de Assis. Aliás, experimente tentar fazer alguém escolhido no meio da rua confessar em que circunstâncias ocorre crase em português. Com enorme probabilidade, a vítima não conseguirá fazê-lo nem para salvar a própria vida. O sistema educacional é uma falha absoluta. Mas é muito mais grave do que uma monumental perda de tempo para todos os envolvidos, como se isso já não fosse suficientemente sério. É uma violação mental e moral, e deliberada. Educação compulsória não tem absolutamente nada a ver com ensinar coisa alguma.
Mais um objetivo pretensamente atingido com educação compulsória é “elevar o nível cultural” do cidadão médio. Na concepção dos burocratas responsáveis, isso se traduz na insana proposta de torná-lo enciclopedicamente competente em assuntos que vão das dinastias do Egito antigo até determinantes de matrizes, mesmo que seu eventual objetivo na vida seja ser caixa de supermercado. Mesmo quando se torna clara a falha do objetivo de produzir pessoas efetivamente cultas, alguns ainda insistem na idéia de que pelo menos se conseguirá despertar algum tipo de apreciação pela cultura. Essa ideia, no entanto, é fadada a um retumbante fracasso; e ainda bem, aliás, porque a caricatura padronizada (e muitas vezes factualmente errada) forçada goela abaixo dos “alunos” é tudo o que “cultura” não é. O que de fato se produz é confusão, na maior parte dos casos seguida de absoluto desprezo pela verdadeira sofisticação cultural. Esta passa a ser quase universalmente percebida, como resultado desse processo, como mera competência na repetição de fórmulas sem sentido completamente desconectadas da realidade, que é o que geralmente se exige e premia nos alunos de uma escola e, infelizmente, muitas vezes de níveis mais altos de educação. Mesmo quando os assuntos abordados incidentalmente coincidem com as inclinações naturais de algum aluno, eles são explorados de forma arbitrária, caótica e fragmentada, sem qualquer liberdade para exploração independente, e sob um regime de força que destruiria o mais espontâneo dos interesses.
Outro objetivo pretensamente atingido é o de produzir magicamente uma elite intelectual sob demanda. Só que educação não é mágica. Nem todos têm vocação ou competência para serem elite intelectual. E embora possa haver mérito em procurar não desperdiçar a competência daqueles que de fato a têm, não é possível produzi-la artificialmente. Se perguntarmos a um atleta olímpico como ele conseguiu uma medalha de ouro, ele provavelmente responderá que treinou arduamente por horas todos os dias durante muitos anos. Não segue daí que se forçarmos todos a treinarem arduamente por anos transformaremos todos em atletas olímpicos. Talvez até revelemos acidentalmente alguns mais (ao enorme custo de produzir uma massa de pessoas perturbadas porque não conseguem correr 100 metros em 10 segundos). Mas é impossível produzir cientistas em massa usando educação forçada. Até hoje, o Brasil, uma das maiores potências econômicas do planeta, não consegue ter sequer uma de suas universidades na lista das melhores 200 do mundo — duzentas. Com toda a sua pompa e circunstância, do ponto de vista acadêmico o Brasil permanece essencialmente insignificante. Que perca para a França ou a Suíça, vá lá. Mas países como a Índia, a China, e a Coréia do Sul conseguiram produzir o que nós não conseguimos: têm universidades entre as primeiras 50.
A criação de uma elite intelectual se relaciona com outro suposto e fracassado objetivo da educação compulsória: catapultar o país para indústrias e mercados de alta tecnologia. Ao invés disso, o que produzimos no final de um longo processo são doutores fazendo concurso para gari.
Para ler o restante do artigo, clique aqui.
Fonte: OrdemLivre
Divulgação: www.juliosevero.com

09 março, 2010

Deixem Jonatan e Davi estudar em paz

Deixem Jonatan e Davi estudar em paz

Alexandre Barros
Todos os dias algum órgão de imprensa brasileiro critica a educação no Brasil. Mazelas vão da falta de professores ou condições físicas, ao despreparo dos professores, passando por currículos antiquados produzidos por educocratas governamentais.
Lucy Vereza, que foi secretária de Educação do Rio de Janeiro, entrevistada, disse ser impossível atrair a atenção de crianças que viam os melhores programas e desenhos animados na TV, produzidos por empresas riquíssimas e diretores milionariamente pagos, mandando-as para escolas sem graça em que professoras mal pagas e pior treinadas ensinavam coisas do tipo “Ivo vê a uva.”
Kleber e Bernadete, pais de Jonatan e Davi, residentes em Timóteo, Minas Gerais, resolverem agarrar o touro pelos chifres.
Se pouco ou nada podiam fazer para melhorar a escola que o estado (ou seus licenciados) ofereciam, criaram uma escola para seus filhos em casa.
Não são pais que resolverem abandonar e educação de seus filhos ou deixá-la “para lá.” São apenas pais conscientes que resolveram educar seus filhos em casa por uma simples razão: acreditam que são capazes de cumprir essa tarefa melhor do que o estado (coisa que mais de um milhão de famílias americanas fazem legalmente nos Estados Unidos).
Mas, no Brasil isso é proibido. Apesar de Jonatan e Davi terem sido aprovados nos exames que avaliam alunos comuns, que estudam no sistema educacional regular, seus pais cometeram um crime e por isso foram condenados.
O aterrador é o poder do Estado todo poderoso e dos “fazedores do bem,” autores do Estatuto da Criança e do Adolescente. Obrigam todos os pais do Brasil a matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino (art. 55), por pior que ela seja.
A multa é irrisória (R$ 78,00), mas o princípio é fundamental. Puniram a família por exercer o direito inalienável de educar seus filhos como e onde quisessem.
Entrevistados na TV, pai e filhos parecem perfeitamente normais. Mas o governo não quer saber disso. Provavelmente vítimas de um educocrata fanático ou invejoso, acabaram nas malhas da lei.
Hoje o Massachussets Institute of Technolgy e muitas outras universidades disponibilizam o conteúdo de seus cursos gratuitamente na Internet. Neste sistema, frequentar o MIT pode ter uma função socializatória, possibilitar o desenvolvimento de laços de amizade que ajudem a conseguir bons empregos e dar aos alunos uma credencial formal, um diploma. Em matéria de sabedoria, entretanto, ninguém que frequentou uma destas universidades sabe, necessariamente, mais do que alguém que estudou em casa seguindo seu currículo.
Educocratas trabalham para a manutenção de um sistema de educação fraco em que o estado pouco faz (e faz mal) e um monte de “empresários” licenciados ensinam com o olho no retrovisor (e ganham muito dinheiro com isso).
Eles são onipotentes para produzir punir pais como os de Jonatan e Davi.
A opção da família é diferente, excêntrica, sem dúvida, mas isso não quer dizer que seja má.
John Stuart Mill, em seu On Liberty, faz uma bela defesa da excentricidade. Ele chama a atenção para o fato de que o progresso, as invenções e o desenvolvimento são produto direto da excentricidade.
Se não houvesse excêntricos que resolvessem colocar um motor numa carruagem ou domar a eletricidade e descobrir como utilizá-la para o nosso bem, continuaríamos andando a pé e iluminando nossas casas com candeeiros. Não existiriam arranha céus, porque sem eletricidade, não haveria elevadores.
Por isso morro de medo de incompetentes bem intencionados, sobretudo quando em grandes grupos, ainda mais quando são funcionários governo, porque eles têm a capacidade de punir-nos por exercermos nossa liberdade.
Deixem Jonatan e Davi estudar em paz. Eles certamente estão melhores do que estariam numa escola.
Fonte: OrdemLivre

04 março, 2010

Cuidado com as conclusões precipitadas

Cuidado com as conclusões precipitadas

Bruno Pontes
Olavo de Carvalho diz que o Guinness Book poderia criar uma categoria que consagre um recorde próprio da nossa cultura: a lentidão do brasileiro em tirar conclusões. Segundo o filósofo, o japonês tira uma conclusão em dois segundos. O chinês, em três segundos. O americano leva cinco segundos. Já o brasileiro tira uma conclusão após 10 anos, oito meses, seis semanas, dois dias e algumas horas.
Piada ou descrição da realidade? Veja o caso da educação. Em outubro do ano passado, o Senado aprovou a Proposta de Emenda à Constituição 96A/03, aumentando o orçamento do Ministério da Educação e tornando obrigatório o ensino para crianças a partir dos quatro anos de idade. Atualmente o MEC exige a guarda intelectual dos brasileirinhos aos seis anos.
É uma política comum a todos os regimes socialistas tirar as crianças de casa para imbuí-las da ideologia estatal o mais cedo possível. Quando um burocrata de fato ou de vocação prega que a função da escola é incutir “cidadania” nos alunos, ele está defendendo a doutrinação de crianças com a linda justificativa de construir o outro mundo possível. Se o custo da operação for a idiotização de gerações inteiras, que seja.
O Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães defendia que “a concepção da idéia do Estado deve ser ensinada nas escolas desde o início”. É a mesma recomendação que se ouve nos corredores dos ministérios, nas faculdades de pedagogia, nos discursos dos sindicalistas, nos cadernos culturais. Ao mesmo tempo, projetos de lei liberando o ensino caseiro no Brasil são derrubados sem muita conversa, pois delegar aos pais a instrução dos filhos é um perigo à segurança nacional. O que será do nosso país se as crianças deixarem de aprender a usar camisinha e gel lubrificante, a enxergar luta de classes em tudo, a ter consciência crítica e votar na esquerda? E se os brasileiros passarem a confiar mais na própria cabeça do que na cartilha do governo? Que o MEC nos livre de tamanho mal.
Saíram recentemente novos índices mostrando que o Brasil segue produzindo os estudantes mais burros do mundo. As coisas continuam nos seus lugares: quanto mais cedo o brasileirinho entra no colégio, quanto mais debates os pedagogos promovem, quanto mais cursos de capacitação são sugeridos, quanto mais planos de cargos e carreiras são reivindicados, quanto mais o Estado se mete na educação do povo, mais estúpido o povo fica. O leitor obtuso poderá imaginar uma relação de causa e efeito. Recomendo cautela a esse leitor. É muito cedo para tirar conclusões.
Divulgação: www.juliosevero.com
Golpe nos direitos dos pais